A COR PÚRPURA
Não é de agora que conheço o
filme A cor púrpura. Já tinha lido
alguma coisa na internet e, desde que obtive a primeira informação, me pus a
procurar, embora não tenha tido êxito na busca. Só recentemente tive a grata
oportunidade de assisti-lo e o fiz como um menino que ganha uma roupa nova e
logo quer vestir ou uma caixa de bombons e a devora com ansiedade. Foi com uma
disposição semelhante que digeri cada cena desse filme.
Custa-me tanto encontrar as
palavras exatas, precisas e que deem toda a dimensão da grandiosidade dessa
obra que, por vezes, hesito, receio, deleto, reescrevo, temeroso de que as
palavras escolhidas não alcancem suas extensões que são incomensuráveis. Mas,
começo a lembrar de Celie e sua trajetória marcada por recomeços sutis e,
prontamente, me ponho a escrever com o mesmo destemor que a cerca quando das
cenas finais.
A obra, do diretor Steven
Spielberg, narra a história de Celie (Whoopi Goldberg) e Nettie (Akosua Busia),
duas irmãs que conhecem desde cedo os horrores de uma criação feita de medo e
dor. O pai mantém relações sexuais com Celie com quem tem três filhos
. Desses três, mata um e doa o casal
Olívia (Lelo Masamba) e Adam (Peto Kisanka) a membros da igreja que participa.
Celie não conhece os filhos nem os vê crescer.
Certo dia, aparece na fazenda,
Alberto (Danny Glover), que manifesta interesse em casar com Nettie. O pai não
permite que Nettie, por quem tinha desejo, siga com Alberto e entrega Celie que
o acompanha e contrai matrimônio. Daí em diante, Celie é submetida a todo tipo
de humilhação pelo marido que a mantém como uma escrava dele e dos filhos.
Após um um tempo, Nettie foge
da casa do pai, porque não aguenta sua insistente perseguição e procura Celie,
com quem passa a morar. Após uma tentativa frustrada de Alberto em estuprar Nettie,
que o recusa veementemente, aquele a expulsa de suas terras e a menina sai a
perambular pelo mundo. Antes de serem violentamente separadas, Nettie promete
escrever e diz que só não o fará se morrer. Daí em diante, a vida de Celie se
transforma numa eterna espera pelas cartas de Nettie que não veem.
Com a chegada de Shug (Maragaret
Avery), a vida de Celie ganha rumo totalmente diferente daquele desenvolvido
até então. Finalmente, alguém a vê e a ama como nunca foi amada. Esse reconhecimento
do seu corpo, da sua existência e atributos faz Celie reunir forças para romper
definitivamente com um passado de opressão e sofrimento.
No fim da trama, Celie e Shug
descobrem as cartas que Nettie enviava e Alberto escondia. Nessas cartas, Nettie
dá notícias de si e dos filhos de Celie que encontram-se na África. Após
conseguirem o visto de emigração do consulado, os filhos de Celie, finalmente,
puderam conhecer aquela de quem foram separados no nascimento. O reencontro com
Nettie simboliza o reencontro com uma nova vida feita de respeito e dignidade.
Esse resumo dá uma idéia, em
linhas gerais, do filme, mas seu conteúdo e as ações que o compõem vão além do
que aqui está posto. Há histórias paralelas à história de Celie e que dão ao
filme uma unidade dramática porque todas estão perpassadas pelo mesmo fio da
intolerância e superação.
O filme é tão rico em temas para
reflexão que fica difícil selecionar um para comentar. Não obstante a
dificuldade em pinçar um tema que se sobressai aos demais, queria pontuar a
passagem de uma existência inicialmente marcada pela mudez social, pela
submissão resignada ao macho viril e por uma solidão que a acompanha desde que
teve seus filhos arracados dos seus braços e foi interditada na comunicação
com a irmã por quem tinha laços profundos de amizade para uma existência que
tem a coragem, num momento singular da vida, de olhar para seu algoz e gritar:
“Eu sou negra, sou pobre e posso até ser feia, mas, Deus, eu estou aqui. Eu
estou viva.” Essa é toda liberdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário