Uma definição

"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho." (Orson Welles)

sábado, 29 de março de 2014

Partidas e Chegadas




CHEGADAS E PARTIDAS


Chegadas e partidas é um filme para poucos e, ao mesmo tempo, um filme de todos nós, porque toca - de maneira sutil ou agressiva – a vida humana em suas tantas peculiaridades e facetas.
Quando digo que é um filme para poucos não quero com isso restringir o público e afirmar que apenas alguns poucos privilegiados podem assisti-lo. Não é isso! A intenção nem poderia ser essa, uma vez que os fatos que compõem o enredo ou roteiro tratam de situações que todos, sem exceção, já vivenciaram ao menos uma vez na vida em proporções diferentes. Não obstante tratar de situações cotidianas com a quais nos identificamos, é preciso ter um olhar que não recaia apenas na superfície dos fatos retratados, na seqüência das ações, na fotografia que deslumbra uma após outra ou nas contradições, por vezes engraçadas, que fazem a vida de Quoyle (Kevin Spacey). A beleza do filme não reside apenas aí, de modo que é preciso assisti-lo como se vasculhássemos nas entrelinhas ou entrecenas os sentidos que não se entregam de imediato, aqueles que não se dão aos olhares entretidos, curiosos, desatentos.
Quoyle é um homem que recebeu uma educação rígida que minou sua auto-estima. Descrente de si mesmo e das próprias potencialidades é lançado num mundo que categoriza, seleciona e exclui aqueles que não correspondem às exigências que se impõem; ou seja, um mundo “onde os fracos não têm vez.” É constantemente posto à prova por esse mundo e suas parcas capacidades são esmagadas pela hostilidade desse arranjo social que já o esperava antes que nascesse.
Numa situação inusitada, Quoyle conhece aquela que será sua esposa (Cate Blanchett) e que não tem com ele uma relação de respeito e fidelidade. Ela morre num acidente de carro quando tenta seqüestrar a própria filha para vender para traficantes de órgãos humanos. Agora, Quoyle não é responsável apenas por sua vida, mas também pela filha que escapou à tentativa de seqüestro e voltou para casa.
Entre os cuidados com a filha, a casa e as diligências do trabalho, Quoyle recebe a visita de uma tia (Jude Dench) que resolve levá-lo à terra dos seus antepassados. Lá, a partir do encontro com a história dos seus antepassados, da convivência com as pessoas da comunidade de Newfoundland, do novo relacionamento com a misteriosa Wavey (Julianne Moore) e do emprego que possibilita acordar potenciais adormecidos, a vida de Quoyle muda para sempre.
Disso, temos que não foi evitando a vida que Quoyle conseguiu sarar as cicatrizes da infância deixadas por um educação que o desqualificava; antes, foi no encontro consigo a partir do encontro com o outro e com a própria história que foi possível superar seu maior medo: ele mesmo.
Nessa obra, de grande beleza humana e cinematográfica, o diretor Lasse Hallström supera-se mais uma vez.

Infâmia





Infâmia (1961), de William Wyler, é uma obra ímpar na história do cinema norte-americano. Baseado na peça teatral de Lillian Hellman, Infâmia conta a história de duas professoras (Shirley McLaine e Audrey Hepburn) que mantêm uma escola feminina em regime interno. Acusadas por uma das alunas de manterem um relacionamento homossexual, as professoras perderão a paz e a escola que fechará por falta de alunos. O filme ainda conta com excelentes atuações do ator James Garner.

A Cor Púrpura




A COR PÚRPURA


Não é de agora que conheço o filme A cor púrpura. Já tinha lido alguma coisa na internet e, desde que obtive a primeira informação, me pus a procurar, embora não tenha tido êxito na busca. Só recentemente tive a grata oportunidade de assisti-lo e o fiz como um menino que ganha uma roupa nova e logo quer vestir ou uma caixa de bombons e a devora com ansiedade. Foi com uma disposição semelhante que digeri cada cena desse filme.
Custa-me tanto encontrar as palavras exatas, precisas e que deem toda a dimensão da grandiosidade dessa obra que, por vezes, hesito, receio, deleto, reescrevo, temeroso de que as palavras escolhidas não alcancem suas extensões que são incomensuráveis. Mas, começo a lembrar de Celie e sua trajetória marcada por recomeços sutis e, prontamente, me ponho a escrever com o mesmo destemor que a cerca quando das cenas finais.
A obra, do diretor Steven Spielberg, narra a história de Celie (Whoopi Goldberg) e Nettie (Akosua Busia), duas irmãs que conhecem desde cedo os horrores de uma criação feita de medo e dor. O pai mantém relações sexuais com Celie com quem tem três filhos tinha lido alguma coisa na internet e, desde que obtive a primeira informaç. Desses três, mata um e doa o casal Olívia (Lelo Masamba) e Adam (Peto Kisanka) a membros da igreja que participa. Celie não conhece os filhos nem os vê crescer.
Certo dia, aparece na fazenda, Alberto (Danny Glover), que manifesta interesse em casar com Nettie. O pai não permite que Nettie, por quem tinha desejo, siga com Alberto e entrega Celie que o acompanha e contrai matrimônio. Daí em diante, Celie é submetida a todo tipo de humilhação pelo marido que a mantém como uma escrava dele e dos filhos.
Após um um tempo, Nettie foge da casa do pai, porque não aguenta sua insistente perseguição e procura Celie, com quem passa a morar. Após uma tentativa frustrada de Alberto em estuprar Nettie, que o recusa veementemente, aquele a expulsa de suas terras e a menina sai a perambular pelo mundo. Antes de serem violentamente separadas, Nettie promete escrever e diz que só não o fará se morrer. Daí em diante, a vida de Celie se transforma numa eterna espera pelas cartas de Nettie que não veem.
Com a chegada de Shug (Maragaret Avery), a vida de Celie ganha rumo totalmente diferente daquele desenvolvido até então. Finalmente, alguém a vê e a ama como nunca foi amada. Esse reconhecimento do seu corpo, da sua existência e atributos faz Celie reunir forças para romper definitivamente com um passado de opressão e sofrimento.
No fim da trama, Celie e Shug descobrem as cartas que Nettie enviava e Alberto escondia. Nessas cartas, Nettie dá notícias de si e dos filhos de Celie que encontram-se na África. Após conseguirem o visto de emigração do consulado, os filhos de Celie, finalmente, puderam conhecer aquela de quem foram separados no nascimento. O reencontro com Nettie simboliza o reencontro com uma nova vida feita de respeito e dignidade.
Esse resumo dá uma idéia, em linhas gerais, do filme, mas seu conteúdo e as ações que o compõem vão além do que aqui está posto. Há histórias paralelas à história de Celie e que dão ao filme uma unidade dramática porque todas estão perpassadas pelo mesmo fio da intolerância e superação.
O filme é tão rico em temas para reflexão que fica difícil selecionar um para comentar. Não obstante a dificuldade em pinçar um tema que se sobressai aos demais, queria pontuar a passagem de uma existência inicialmente marcada pela mudez social, pela submissão resignada ao macho viril e por uma solidão que a acompanha desde que teve seus filhos arracados dos seus braços e foi interditada na comunicação com a irmã por quem tinha laços profundos de amizade para uma existência que tem a coragem, num momento singular da vida, de olhar para seu algoz e gritar: “Eu sou negra, sou pobre e posso até ser feia, mas, Deus, eu estou aqui. Eu estou viva.” Essa é toda liberdade.

terça-feira, 18 de março de 2014

O Silêncio: um filme de Ingmar Bergman

O Silêncio, dirigido pelo diretor suíço Ingmar Bergman, faz parte da Trilogia do Silêncio que se completa com Através do Espelho e Inverno. O mestre suíço é conhecido por sua abordagem psicológica das personagens e por tocar em questões existenciais e metafísicas. Em O Silêncio não é diferente.
Rodado em 1963, o filme conta a história de duas irmãs - Esther e Ana - que, aparentemente, mantêm uma relação incestuosa. Esther é tradutora e bebe constantemente para superar as dores insuportáveis de uma doença crônica que a devora por dentro, bem como superar o ciúme e a dificuldade de relacionamento com a irmã que frequenta cabarés em busca de experiências sexuais que lhe dão a impressão de soberania em relação ao sexo oposto. Entre essa relação tensa, encontra-se o filho de Anna que estabelece com a mãe uma relação de inteira dependência e, no gesto representado na imagem acima, enquanto esfrega as costas da mãe, o pequeno parece desejá-la. Ao inclinar a cabeça sobre as costas da mãe, mantendo os olhos fechados e o semblante que projeta um desejo pueril, Bergman aponta para uma relação que busca uma intimidade que é supostamente realizada quando pede, completamente nua, à criança que tire a bermuda e se deite ao seu lado. O filme foi realizado na década de 60, época em que um turbilhão de revoltas - sobretudo na França - sacolejavam o mundo. Bergman traduz as aspirações, desejos e sonhos de uma geração num filme que rompe o silêncio e impõe uma palavra transgressora num contexto de reviravoltas políticas, econômicas e culturais. Segue o link:
https://www.youtube.com/watch?v=djq-9yUBMFA&feature=share