Uma definição
"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho." (Orson Welles)
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Vítimas da Guerra
No Caótico pós-Guerra, um grupo de alemães prisioneiros de guerra é enviado acidentalmente para um campo de concentração soviético para mulheres. Enquanto os guardas interrogam os oficiais da SS, eles fazem um amargo jogo de gato e rato com os prisioneiros. Ambos os grupos lentamente percebem que a situação não é a que eles pensam; preconceitos algumas vezes são armas injustas; e o amor poder ser encontrado até mesmo nos lugares mais inóspitos.
(Sinopse extraída do Interfilmes.com)
Mostra França 60
A mostra França 60 exibe no Centro Cultural São Paulo, de 23 de junho a 5 de julho de 2015, 16 filmes clássicos do cinema francês da década de 1960 que influenciaram a cinematografia dos quatro cantos do mundo e conservam até hoje características ousadas, belas e instigantes.
Dez desses filmes são dirigidos pelos consagrados Jean-Luc Godard e François Truffaut. Também serão exibidos Cléo de 5 a 7, primeiro longa de Agnès Varda e marco da nouvelle vague, e Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy, em DCP.
Conheça a seguir a programação completa e as sinopses dos filmes da mostra França 60.
dia 23/6 – terça
15h30 – Cléo de 5 a 7
17h30 – Beijos proibidos
19h30 – Trinta anos essa noite
dia 24/6 – quarta
15h30 – Atirem no pianista
17h30 – Zazie no metrô
19h30 – Lola, a flor proibida
dia 25/6 – quinta
15h30 – Alphaville
17h30 – Os guarda-chuvas do amor
19h30 – Amor aos 20 anos
dia 26/6 – sexta
15h30 – Minha noite com ela
18h – A noiva estava de preto
19h30 – Um só pecado
dia 27/6 – sábado
15h30 – Uma mulher é uma mulher
17h30 – Made in U.S.A
19h30 – Tempo de guerra
dia 28/6 – domingo
15h30 – Lola, a flor proibida
17h30 – Cléo de 5 a 7
19h30 – O desprezo
dia 30/6 – terça
15h30 – Zazie no metrô
17h30 – Alphaville
19h30 – Os guarda-chuvas do amor
dia 1/7 – quarta
15h30 – Amor aos 20 anos
18h – Made in U.S.A
20h – Minha noite com ela
dia 2/7 – quinta
15h30 – Trinta anos essa noite
18h – Atirem no pianista
20h – Uma mulher é uma mulher
dia 3/7 – sexta
15h30 – Beijos proibidos
17h30 – Tempo de guerra
20h – Cléo de 5 a 7
dia 4/7 – sábado
15h30 – O desprezo
17h30 – Um só pecado
20h – Atirem no pianista
dia 5/7 – domingo
15h30 – Os guarda-chuvas do amor
17h30 – A noiva estava de preto
19h30 – Trinta anos essa noite
Sinopses e fichas técnicas
Alphaville
(França, Grã-Bretanha, 1965, 95min, 12 anos, DCP)
direção: Jean-Luc Godard – elenco: Anna Karina, Eddie Constantine
O detetive particular Lemmy Caution é uma espécie de espião americano e chega à cidade futurista de Alphaville, situada em outro planeta. A população do lugar é dominada pelo computador Alpha 60, que aboliu os sentimentos e qualquer tipo de expressão individual. Lemmy tem a missão de encontrar o inventor da máquina, o professor Von Braun, e convencê-lo a destruir sua criação. No entanto, durante a aventura, ele se apaixona por Natacha, filha do diabólico cientista.
Amor aos 20 anos
(L’Amour à 20 ans, Alemanha, França, Itália, Japão, Polônia, 1962, 116min, 35mm)
direção: François Truffaut – elenco: Jean-Pierre Léaud, Marie-France Pisier
Cinco filmes sobre o amor entre jovens de cinco países diferentes. Entre eles, Antoine e Colette, filme de Truffaut sobre a frustrada relação de um casal. Os demais diretores são Shintaro Ishihara, Renzo Rossellini, Marcel Ophuls e Andrzej Wajda.
Atirem no pianista
(Tirez sur le pianiste, França, 1960, 78min, 12 anos, 35mm)
direção: François Truffaut – elenco: Charles Aznavour, Michel Blanc
Grande pianista tem sua carreira interrompida em virtude do suicídio da esposa. Ele passa a tocar em um bar onde conhece uma garçonete e acaba reencontrando um de seus irmãos, que está envolvido com a máfia.
Beijos proibidos
(Baisers volés, França, 1968, 90min, 35mm)
direção: François Truffaut – elenco: Jean-Pierre Léaud, Claude Jade, Daniel Ceccaldi
Terceiro capítulo da série Antoine Doinel, o alter-ego do diretor François Truffaut. Neste episódio, Doinel é afastado do exército por insubordinação. Ele arruma um emprego de vigia noturno num hotel e, depois, de investigador particular. Enquanto isso, Antoine apaixona-se pela charmosa Fabienne Tabard.
Cléo de 5 a 7
(França, 1962, 90min, 12 anos, 35mm)
direção: Agnès Varda – elenco: Antoine Bourseiller, Corinne Marchand
Cléo é uma artista à espera de um resultado médico – uma biópsia – que dirá como está sua saúde. O filme se passa durante essa espera, mostrando as agonias e os pensamentos de Cléo enquanto ela caminha pela cidade.
O desprezo
(Le Mépris, França, 1963, 100min, 12 anos, digital)
direção: Jean-Luc Godard – elenco: Brigitte Bardot, Michel Piccoli
Paul Javal, um roteirista, aceita dar nova versão à adaptação de A Odisséia, que Fritz Lang está rodando em Roma, sob a produção de Jérôme Prokosch. Apaixonado por Camille, sua mulher, Paul fica enciumado quando ela aceita uma carona de Prokosch. Durante uma longa cena doméstica, Camille fala de seu desprezo pelo marido. O rompimento acontece em Capri, onde são realizadas as cenas externas e mais importantes do filme. Camille vai embora com Prokosch e ambos morrem num acidente de carro.
Os guarda-chuvas do amor
(Les parapluies de cherbourg, Alemanha, França, 1964, 91min, DCP)
direção: Jacques Demy – elenco: Catherine Deneuve, Nino Castelnuovo
Geneviève Emery, cuja mãe possui um comércio de guarda-chuvas, é uma adolescente de 17 anos que se vê obrigada a decidir entre esperar por seu amor, um mecânico de 20 anos que foi servir o exército na Argélia, ou se casar com um comerciante de diamantes que se propõe a criar o bebê que ela espera como se fosse seu.
Lola, a flor proibida
(Lola, França, 1961, 85min, 12 anos, DCP)
direção: Jacques Demy – elenco: Anouk Aimée, Marc Michel, Corinne Marchand
Lola é uma dançarina de cabaré que espera pelo retorno de Michel, namorado que, há sete anos, foi para a América e é pai de seu filho. Ele prometeu voltar somente quando ficasse rico. Durante sua ausência, Lola é cortejada por Roland, seu amigo de infância, e pelo marinheiro americano Frankie. Tudo indica que ela acabará escolhendo definitivamente um dos dois, mas seu coração ainda pertence a Michel.
Made in U.S.A
(França, 1967, 90min, 35mm)
direção: Jean-Luc Godard – elenco: Anna Karina, Jean-Pierre Léaud, Laszlo Szabo.
Uma mulher vai para uma cidade do interior para se encontrar com seu noivo e descobre que ele está morto. Morreu levando um segredo. Para vingá-lo ela mata várias pessoas. Mas será que ele guardava mesmo um segredo?
Minha noite com ela
(Ma nuit chez Maude, França, 1969, 110min, 35mm)
direção: Eric Rohmer – elenco: Anne Dubot, Françoise Fabian, Guy Léger, Jean-Louis Trintignant, Marie-Christine Barrault
O engenheiro Jean-Louis volta à cidade de Clermont depois de ter morado anos fora. Católico introvertido, ele acaba por nutrir uma paixão platônica por Françoise. Apesar de não ter amizade com ela, acredita que a moça é sua parceira ideal. Um dia, durante um passeio, reencontra Vidal, um velho amigo. Ele o apresenta à sua namorada e os três passam a noite no apartamento dela falando sobre filosofia e religião. Vidal volta para casa, deixando Jean-Louis e a namorada juntos.
Uma mulher é uma mulher
(Une femme est une femme, França, 1961, 85min, 12 anos, 35mm)
direção: Jean-Luc Godard – elenco: Anna Karina, Jean-Claude Brialy, Jean-Paul Belmondo
Ângela é uma stripper que deseja ter um filho com seu marido, Émile, que não aceita sua decisão. Ela, então, procura Alfred, um homem da noite, amigo do casal, que atende seu desejo. O que Angela não sabe é que ele sempre foi apaixonado por ela e este convite desencadeia uma série de confusões.
A noiva estava de preto
(La Mariée Etait En Noir, França, 1968, 107min, 35mm)
direção: François Truffaut – elenco: Jeanne Moreau, Claude Rich, Jean-Claude Brialy
Depois de uma tentativa de suicídio Julie Kohler conhece vários homens sucessivamente: Bliss, um sedutor que ela empurra do alto de um balcão; Morane, um político que ela deixa morrer asfixiado dentro de um quadro de avisos; Delvaux, um esgrimista que é preso quando ela chega a sua casa e morto por ela dentro da cela; Fergus, pintor que ela assassina com uma flechada no coração. Descobre-se que, alguns anos antes, esses homens causaram a morte daquele que se casaria com Julie.
Um só pecado
(La Peau Douce, França 1964, 113min, 35mm)
direção: François Truffaut – elenco: Jean Desailly, Françoise DorlŽac, Nelly Benedetti
Pierre é casado e conhece a aeromoça Nicole durante uma viagem a Lisboa, onde vai dar uma palestra sobre Balzac. Ele fica fascinado por sua beleza e ela, pela cultura dele. Tornam-se amantes. Assim que Franca, mulher de Pierre, fica sabendo do caso entre os dois, ele decide se divorciar e se casar com Nicole que, por sua vez, recusa.
Tempo de guerra
(Les Carabiniers, França, Itália 1963, 120min, 35mm)
direção: Jean-Luc Godard – elenco: Marino Mase, Albert Juross, Geneviéve Golea.
Dois homens do interior são convocados pelo exército e partem para a guerra com a promessa de poderem fazer o que quiserem. Eles pilham, matam, violentam… Na volta, eles trazem para suas mulheres os troféus de guerra: uma coleção de cartões-postais. Uma contrarrevolução eclode e eles são fuzilados como criminosos de guerra.
Trinta anos essa noite
(Le feu follet, França, 1963, 110min, 12 anos, 35mm)
direção: Louis Malle – elenco: Jeanne Moreau, Maurice Ronet
São as últimas 48 horas de um homem totalmente angustiado e perdido, Alain Leroy. Ele acaba de sair de um hospital onde fazia um tratamento para desintoxicação alcoólica e Lydia, sua amante e amiga de sua ex-mulher Dorothy – que o abandonou –, deseja ajudá-lo. Mas Alain volta aos bares de velhos amigos e começa uma busca de si mesmo na reconstituição do passado. Ao final dessa peregrinação, Alain encontra um vazio existencial que o fará tomar uma decisão. No espelho registra uma data e sobre a mesinha de cabeceira o revólver está pronto.
Zazie no metrô
(Zazie Dans le Métro, França, 1960, 89min, 35mm)
direção: Louis Malle – elenco: Catherine Demongeot, Philippe Noiret, Hubert Deschamps
Zazie, uma garota do interior da França, tem a chance de conhecer Paris. Hospedada na casa de seu pouco convencional tio Gabriel, Zazie cultiva um sonho: andar de metrô. Mas uma greve dos metroviários frusta seu plano. No táxi de Charles, um amigo de seu tio, ela inicia seu contato e suas aventuras na cidade-luz.
Serviço
Mostra França 60
Local: Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1000 – São Paulo – SP)
Data: De 23 de junho a 5 de julho de 2015
Ingressos: R$1,00 (taxa de manutenção, sem direito a meia-entrada)
Site: http://www.centrocultural.sp.gov.br/programacao_cinema_franca_2015.html
Telefone: (11) 3397-4002
Próximos Eventos
De 23/6 a 5/7Mostra França 60
De 24/6 a 1º/7
Cinema Contemporâneo do Quebec
De 25 a 28/6
6ª Mostra Cinema de Bordas
Providence
O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,filme-providence-faz-tributo-ao-diretor-frances-alain-resnais,1506900http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,filme-providence-faz-tributo-ao-diretor-frances-alain-resnais,1506900
“Perto de alguns sonhos, nada real tem tanta intensidade”. Dita em determinado momento de Providence por Claude Longhan (Dirk Bogarde) essa fala talvez sintetize algumas das questões propostas por essa obra-prima um tanto esquecida de Alain Resnais: até que ponto os sonhos são capazes de revelar o real? Não seriam os sonhos por vezes mais eficientes em explicitar aspectos da realidade que a própria realidade? Posições claramente controversas, mas nunca desinteressantes.
Deve-se, em primeiro lugar, ressaltar o fato de que a dimensão onírica não é uma novidade no cinema que Resnais desenvolve em Providence. Ela já está presente em seus dois primeiros filmes de ficção, os aclamados Hiroshima, Meu Amor (Hiroshima, Mon Amour, 1959) e O Ano Passado em Marienbad (L’Annèe Dernier en Marienbad, 1961), e também, não por mero acaso, em seu trabalho mais recente, As Ervas Daninhas (Les Herbes Folles, 2009). Em Providence, entretanto, esse caráter recorrente do cinema de Resnais é explicitado, ganhando alguns contornos específicos.
Numa primeira parte do filme, dois movimentos e tons se intercalam. De um lado, quatro personagens formam um improvável quadrado de relações. Claude (Bogarde) é o arrogante e histriônico promotor do caso em que Kevin Woodford (David Warner) é acusado de matar um velho. Sonia (Ellen Burstyn), esposa infeliz de Claude, parece querer a todo o momento trair o marido com Woodford, que se mostra ao longo dessa primeira parte do filme como alguém completamente apático, distante e pouco interessado ao que ocorre a sua volta. Por fim, Helen (Elaine Stritch), também tratada em certos momentos por Molly, mulher que já passou da meia-idade, apresentada como amante de Claude. Intercalando-se com esse quadro de relações, acompanhamos a difícil noite regada à bebida, dores e remédios de Clive Longhan (John Gielgud), escritor que logo deduzimos ser o pai de Claude e que interfere como uma espécie de comentarista, pontuando, ironizando, criticando e, muitas vezes, determinando as ações dos demais personagens, principalmente de Claude.
Ao contrário dessa primeira parte do filme, ora delirante, ora sombria, quase sempre sem um sentido aparente e com personagens que beiram a caricatura, a segunda surge com uma feição mais realista, embora ainda um tanto onírica. Há nesses momentos finais do filme, principalmente nos planos que abrem essa espécie de epílogo de Providence, um tom bucólico, que vai se dissipando conforme as tensões existentes entre os personagens que se reúnem para uma festa vão se explicitando. Os protagonistas desse embate latente são as figuras centrais da primeira parte do filme: Clive e Claude, pai e filho.
Pelo já dito, é possível afirmar aqui que Providence permite uma abordagem claramente psicanalítica, já que Claude é representado como uma espécie de Édipo que deseja matar o pai e fazer sexo com a mãe, que, ficaremos sabendo, é Helen/Molly. Não vamos, entretanto, trilhar esse caminho, até por falta de competência para tanto. Interessa-nos aqui, por outro lado, a construção do filme, formado por essas duas partes com tons e mise-en-scène muito distintas.
Em primeiro lugar, parece importante dizer que essa segunda parte do filme, que se constrói a partir de pressupostos mais próximos de um certo realismo ainda que, como já dissemos, não abandone de todo o tom onírico, esclarece e explicita algumas relações que não são tão óbvias na primeira parte. O caráter impressionista de alguns planos, o comedimento das atuações e o não-dito do roteiro e da encenação completam o quadro desse último ato de Providence. É possível afirmar que esses momentos finais do filme se caracterizam principalmente pelo latente, pelo implícito, por aquilo que não é capaz de revelar todas as tensões existentes naquele círculo familiar. A atuação de Dirk Bogarde é aqui exemplar. É possível perceber contrariedades, mágoas e tensões menos em suas falas que em um meneio de sua cabeça ou em um olhar.
Em outro sentido, a atuação de Bogarde na parte inicial do filme também pode revelar algo sobre ela. Histriônico, sempre gesticulando e extremamente caricato, não cansa de revelar seu egoísmo e seu profundo desprezo pelo pai. O exagero dos gestos e a fala empolada não combinam com o que vemos no último ato do filme, embora certamente revelem ricamente o personagem ou, pelo menos, a visão que Clive, seu pai, tem dele. Não é arriscado dizer que se a segunda parte do filme, calcada em uma pretensa realidade, não revela tudo, destacando apenas os trincos existentes na superfície (para usar uma imagem do filme), a primeira, cuja regra é o delírio, o pesadelo e, mais especificamente, o imaginário, é capaz de explicitar, em grande medida, as tensões que se escondem em meio ao verniz de civilidade dos personagens. Isso não quer dizer, entretanto, que o sonho possa substituir a realidade, até porque um é capaz de revelar o que a outra deixa escondido e vice-e-versa, mas, por outro lado, o imaginário se mostra capaz sim de explicitar conflitos que com mais dificuldade se apresentam a olho nu.
Nesse grande filme sobre as interconexões entre o sonho e a realidade, os grandes temas de Alain Resnais não ficam de fora. O delírio noturno de Clive parece o canto do cisne de alguém cujo passado parece um grande fardo a carregar, repleto de culpas e coisas mal resolvidas. O tempo que corre, a memória que fica e a morte que se aproxima, mais até que seu filho Claude, são os seus juízes. É o que o sonho e a realidade de Providence podem revelar ao espectador que deve voltar urgentemente a esse filme.
(Texto publicado na revista eletrônica Cinefilia.net)
“Perto de alguns sonhos, nada real tem tanta intensidade”. Dita em determinado momento de Providence por Claude Longhan (Dirk Bogarde) essa fala talvez sintetize algumas das questões propostas por essa obra-prima um tanto esquecida de Alain Resnais: até que ponto os sonhos são capazes de revelar o real? Não seriam os sonhos por vezes mais eficientes em explicitar aspectos da realidade que a própria realidade? Posições claramente controversas, mas nunca desinteressantes.
Deve-se, em primeiro lugar, ressaltar o fato de que a dimensão onírica não é uma novidade no cinema que Resnais desenvolve em Providence. Ela já está presente em seus dois primeiros filmes de ficção, os aclamados Hiroshima, Meu Amor (Hiroshima, Mon Amour, 1959) e O Ano Passado em Marienbad (L’Annèe Dernier en Marienbad, 1961), e também, não por mero acaso, em seu trabalho mais recente, As Ervas Daninhas (Les Herbes Folles, 2009). Em Providence, entretanto, esse caráter recorrente do cinema de Resnais é explicitado, ganhando alguns contornos específicos.
Numa primeira parte do filme, dois movimentos e tons se intercalam. De um lado, quatro personagens formam um improvável quadrado de relações. Claude (Bogarde) é o arrogante e histriônico promotor do caso em que Kevin Woodford (David Warner) é acusado de matar um velho. Sonia (Ellen Burstyn), esposa infeliz de Claude, parece querer a todo o momento trair o marido com Woodford, que se mostra ao longo dessa primeira parte do filme como alguém completamente apático, distante e pouco interessado ao que ocorre a sua volta. Por fim, Helen (Elaine Stritch), também tratada em certos momentos por Molly, mulher que já passou da meia-idade, apresentada como amante de Claude. Intercalando-se com esse quadro de relações, acompanhamos a difícil noite regada à bebida, dores e remédios de Clive Longhan (John Gielgud), escritor que logo deduzimos ser o pai de Claude e que interfere como uma espécie de comentarista, pontuando, ironizando, criticando e, muitas vezes, determinando as ações dos demais personagens, principalmente de Claude.
Ao contrário dessa primeira parte do filme, ora delirante, ora sombria, quase sempre sem um sentido aparente e com personagens que beiram a caricatura, a segunda surge com uma feição mais realista, embora ainda um tanto onírica. Há nesses momentos finais do filme, principalmente nos planos que abrem essa espécie de epílogo de Providence, um tom bucólico, que vai se dissipando conforme as tensões existentes entre os personagens que se reúnem para uma festa vão se explicitando. Os protagonistas desse embate latente são as figuras centrais da primeira parte do filme: Clive e Claude, pai e filho.
Pelo já dito, é possível afirmar aqui que Providence permite uma abordagem claramente psicanalítica, já que Claude é representado como uma espécie de Édipo que deseja matar o pai e fazer sexo com a mãe, que, ficaremos sabendo, é Helen/Molly. Não vamos, entretanto, trilhar esse caminho, até por falta de competência para tanto. Interessa-nos aqui, por outro lado, a construção do filme, formado por essas duas partes com tons e mise-en-scène muito distintas.
Em primeiro lugar, parece importante dizer que essa segunda parte do filme, que se constrói a partir de pressupostos mais próximos de um certo realismo ainda que, como já dissemos, não abandone de todo o tom onírico, esclarece e explicita algumas relações que não são tão óbvias na primeira parte. O caráter impressionista de alguns planos, o comedimento das atuações e o não-dito do roteiro e da encenação completam o quadro desse último ato de Providence. É possível afirmar que esses momentos finais do filme se caracterizam principalmente pelo latente, pelo implícito, por aquilo que não é capaz de revelar todas as tensões existentes naquele círculo familiar. A atuação de Dirk Bogarde é aqui exemplar. É possível perceber contrariedades, mágoas e tensões menos em suas falas que em um meneio de sua cabeça ou em um olhar.
Em outro sentido, a atuação de Bogarde na parte inicial do filme também pode revelar algo sobre ela. Histriônico, sempre gesticulando e extremamente caricato, não cansa de revelar seu egoísmo e seu profundo desprezo pelo pai. O exagero dos gestos e a fala empolada não combinam com o que vemos no último ato do filme, embora certamente revelem ricamente o personagem ou, pelo menos, a visão que Clive, seu pai, tem dele. Não é arriscado dizer que se a segunda parte do filme, calcada em uma pretensa realidade, não revela tudo, destacando apenas os trincos existentes na superfície (para usar uma imagem do filme), a primeira, cuja regra é o delírio, o pesadelo e, mais especificamente, o imaginário, é capaz de explicitar, em grande medida, as tensões que se escondem em meio ao verniz de civilidade dos personagens. Isso não quer dizer, entretanto, que o sonho possa substituir a realidade, até porque um é capaz de revelar o que a outra deixa escondido e vice-e-versa, mas, por outro lado, o imaginário se mostra capaz sim de explicitar conflitos que com mais dificuldade se apresentam a olho nu.
Nesse grande filme sobre as interconexões entre o sonho e a realidade, os grandes temas de Alain Resnais não ficam de fora. O delírio noturno de Clive parece o canto do cisne de alguém cujo passado parece um grande fardo a carregar, repleto de culpas e coisas mal resolvidas. O tempo que corre, a memória que fica e a morte que se aproxima, mais até que seu filho Claude, são os seus juízes. É o que o sonho e a realidade de Providence podem revelar ao espectador que deve voltar urgentemente a esse filme.
(Texto publicado na revista eletrônica Cinefilia.net)
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Gritos e Sussuros
GRITOS E SUSSURROS, Ingmar Bergman, 1972
por João Bénard da Costa
por João Bénard da Costa
Ingmar Bergman afirmou que a idéia (ou melhor, a gênese) de Gritos e Sussurros partiu de uma simples imagem que, durante meses, o perseguiu sem cessar e sem cessar, continuada e obstinadamente, via por toda a parte: a imagem de três mulheres, todas vestidas de branco, que falavam umas com as outras em voz muito baixa, movendo-se numa sala toda encarnada.
Muitas obras de enorme complexidade partiram de imagens aparentemente tão simples como esta. Psicanalistas e semiólogos podem ter muito para dizer. Eu gosto mais de pensar que tudo se organiza em torno de qualquer coisa que nunca se explica (toda a explicação é sempre falsa) e que essa imagem, quando é o fio de uma obra como Gritos e Sussurros, está para ela como a “Sarabanda” da Suíte para violoncelo solo de Bach. Não percebemos bem porquê, mas quando entra o violoncelo, sabemos que desce o anjo da morte e que se eleva o anjo da ressurreição. Mas os tais psicanalistas podem gostar de saber que Bergman dedicou este filme à mãe, cujo nome de solteira era Karin Akerblon. Karin é, no filme, o nome da personagem interpretada por Ingrid Thulin, aquela que se mutila numa seqüência que ficou como “a pedra de escândalo” desta obra e que, à época, meses antes do 25 de Abril, foi parcialmente e perversamente cortada pela nossa censura. Mesmo quando o não foi, muitos críticos a acharam extremamente exibicionista e houve quem muito se chocasse com o sangue que Karin vai buscar ao “orifício maldito” até o levar ao “orifício nobre”. E quem adjetivou desse modo os orifícios, dizia também que o sangue passava nesse plano “de la jouissance vers la parole”.
É a única seqüência em que o sangue aparece neste filme. Nunca há sangue no personagem de Agnes, a irmã que morre, não há sequer sangue na seqüência em que o marido de Maria se tenta suicidar, cravando uma faca no corpo. Este filme de corpos e palavras, este filme de grandes planos, este filme de sons de grande plano, ou, muito mais simplesmente, este filme de Gritos e Sussurros, é um filme em que o horror se inscreve no vazio, na profundidade de campo desses planos geniais em que as três irmãs se movem ou se imobilizam na casa da sua infância, reunidas ali, muitos anos depois, pela agonia e morte de Agnes. Mas se o sangue jorra só do corpo de Karin, o décor é sempre encarnado (a tal imagem que obcecava Bergman), e de uma seqüência a outra, seja no tempo presente, seja para os regressos ao passado (que aqui dificilmente se podem chamar flashback) é em encarnado que a imagem dissolve, como se diz em linguagem cinematográfica, ou se solve como me parece que aqui se pode dizer. “Desde criança, sempre imaginei o interior da alma como uma membrana úmida, tingida de encarnado” disse Bergman como única explicação. E talvez o seja. Mas esse encarnado, cor da púrpura e da pompa, é aqui também cor de luto e do passado, cor do que perdemos e nunca mais podemos recuperar. Quem quiser, pode também pensar que é a cor do inferno.
De qualquer forma, esse encarnado é o fundo e a forma deste filme e é dele que nos vêm essas quatro mulheres, vestidas de branco ou de preto, de cores sombrias ou cores claríssimas, para, diversamente, nos mostrarem as suas diversas lágrimas e os seus diversos suspiros. E vêm nesses grandes planos tácteis, que são o segredo do último Bergman. Só a título de exemplo refiro a seqüência do reencontro entre Maria e o médico (seu antigo amante) e a descrição pormenorizada que faz da cara dela. Nunca atriz nenhuma, como essa genial Liv Ullmann, se deixou despir assim diante de uma câmera, sem tirar uma peça de roupa e sempre em grande plano. Um microscópio a atravessa e esse microscópio é tanto a imóvel câmara como as palavras meigamente terríveis ou terrivelmente meigas ditas por Erland Josephson.
Como em Benilde, este filme quase todo passado no interior de uma casa, sai dela no princípio e no fim. Depois do genérico, enquanto ouvimos sons como gotas de água e antes da entrada da Mazurka de Chopin, a câmara passeia-nos pelo jardim: a estátua, de costas, de uma mulher nua com uma harpa (“harpa de sangue” foi como Herberto Helder se referiu num belíssimo poema ao sexo da mulher); os raios de sol poente entre as folhagens; uma árvore enorme e antiqüíssima. Depois - e durante tanto tempo não há uma palavra - essa sucessão de relógios, de pêndulos, de ponteiros, como se através do tempo chegássemos até ao primeiro grande plano de uma personagem do filme: Agnes a dormir, com a cor da morte e da agonia, até que a grossa boca de Harriet Andersson se revolve num rictus de dor e num choro sem lágrimas. E os seus murmúrios fundem-se com as baladas do relógio, até que se levanta e escreve no diário com que acabará o filme: “é segunda feira de manhã e estou com dores. Minhas irmãs e Anna revezam-se a vigiar-me”. Nunca um corpo deu de tal forma a imagem da letalidade como esse corpo de Harriet Andersson, o mesmo que vinte anos antes, na obra de Bergman, servira para figurar o desejo de Monika, como tão recentemente vimos.
Depois vem a panorâmica sobre a casa das bonecas e, do fundo dessa infância, como mais tarde na seqüência da lanterna mágica, ou na “aparição” da mãe, solta-se uma dor tão terrível como a do corpo de Agnes, por isso mesmo tão impossível de aproximar e de tocar. No fim, na mais célebre seqüência do filme - a tão chamada “Pietá de Bergman” - nem Karin, nem Maria ousam responder ao tremendo apelo da morta: Fiquem comigo até que eu perca o medo, o horror. Nenhuma é capaz de lhe tocar, de tocar nesse mistério visível de uma morta que chora, entre o momento da morte e a sua descida à terra. Ninguém é capaz do contato físico. Ninguém, a não ser a fabulosa Anna, a criada, aquela que quase nunca fala e que, muito antes, dera o seu peito a Agnes, reconduzindo-a ao seio materno, única consolação possível, ou único abrigo possível, para a solidão que é nossa e que é delas. Por isso, já depois é quase obsceno o apelo de Maria a Karin para que lhe toque, para que a beije. O que para sempre se perdeu foi a encarnação, a fusão dos corpos. Disso, todas morrem como nós morremos. E isso torna esse final tão diverso da associação cinematográfica que mais facilmente ocorre: a ressurreição da protagonista de Ordet de Dreyer. Porque, em Dreyer, víamos a ressurreição da carne e aqui vemos só a agonia no horto. O que Agnes pede é o que Cristo pediu: Fiquem comigo esta noite, em que até o Pai parecia tê-lo abandonado. E só Anna foi capaz de ficar.
Foi ela também - ela, Anna - a única que ficou na casa depois de se terem ido embora todas, mortas ou vivas, com os fantasmas mortos (as imagens da mãe, a noite do vinho, do copo e da mutilação de Karin) ou vivos (os dois maridos). E, sozinha, Karin abre o diário de Agnes e lê a página em que esta recorda uma visita das irmãs e como foi bom estarem as quatro juntas, como nos velhos tempos. E regressamos então ao jardim, todas essas mulheres vestidas de branco, com brancos chapéus de sol, a passear, até se sentarem no balanço, que lentamente as imobiliza na infância e no passado. E na legenda final - novamente encarnada - Bergman diz-nos que desse modo acabaram as lágrimas e os suspiros.
Terão acabado mesmo? Pelo menos, ficam conosco e nunca conheci ninguém que conseguisse ver impassível este filme. Truffaut dizia que Gritos e Sussurros era um filme que começava como As Três Irmãs de Tchekov (“faz hoje um ano que a nossa mãe morreu”) e acabava como O Cerejal. Outros, lembraram-se de Strindberg. Por mim, este filme recorda-me sobretudo o poema de Jorge Sena da mesma ordem de grandeza: A Morte, o Espaço e a Eternidade. É o poema em que se diz que não para morrer fomos feitos, é o poema que melhor nos fala do terrível absurdo que estes gritos e sussurros são. Mas contra ele, ou eles, nada podemos fazer. Nenhum espaço nos arranca a eles, nenhuma eternidade nos compensa desta dor. E termino como José Blanc de Portugal terminou um dia uma crítica que escreveu a esse poema de Sena: “perante grandeza assim é forçoso calarmo-nos”. O silêncio é a única resposta possível, humana e nossa, ao som do violoncelo de Bach e à lágrima que corre dos olhos fechados de Harriet Andersson.
terça-feira, 2 de junho de 2015
Capitães de Areia
Pedro Bala (Jean Luís Amorim), Professor (Robério Lima), Gato (Paulo Abade), Sem Pernas (Israel Gouvêa) e Boa Vida (Jordan Mateus) são adolescentes abandonados por suas famílias, que crescem nas ruas de Salvador e vivem em comunidade no Trapiche junto com outros jovens de idade semelhante. Eles praticam uma série de assaltos, o que faz com que sejam constantemente perseguidos pela polícia. Um dia Professor conhece Dora (Ana Graciela) e seu irmão Zé Fuinha (Felipe Duarte), que também vivem nas ruas. Ele os leva até o Trapiche, o que desencadeia a excitação dos demais garotos, que não estão acostumados à presença de uma mulher no local. Pedro consegue acalmar a situação e permite que Dora e o irmão fiquem por algum tempo. Só que, aos poucos, nasce o afeto entre o líder dos Capitães da Areia e a jovem que acabou de integrar o bando.
(Sinopse extraída de Adoro Cinema)
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Assinar:
Postagens (Atom)