Uma definição

"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho." (Orson Welles)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

KIDS e o mistério da adolescência

Kids é um filme americano dirigido por Larry Clark (1995) que conta em seu elenco com a presença de atores como Leo Fitzpatric, Chloë Sevigny, Rosario Dawson e Jon Abrahans. O produtor é o renomado diretor de Elefante, Gus van Sant. À época em que foi lançado, Kids foi proibido em vários países de maneira que o acesso ao filme era difícil. Lembro que entrei em contato com o filme pela primeira vez quando morava em Salvador. Recordo ainda de tê-lo visto nas mãos de um amigo, mas não cheguei a assistir. Passaram-se os anos, águas despencaram e a vida trouxe-me de volta à provinciana cidade de Garanhuns onde ainda hoje moram meus pais. Foi lá que assisti Kids. A essa altura o filme havia sido liberado e era fácil encontrá-lo em locadoras como a Sétima Arte do amigo Sérgio que era bastante diversificada. Lembro que levei o filme para casa sem o receio que rondava os adolescentes e jovens de 4 ou 5 anos atrás. As sensações que me inundavam naquele momento de encaixar a fita no VHS já não eram mais de medo ou incerteza sobre a malícia ou sordidez do ato. O frio que fazia vibrar a espinha era de curiosidade. Havia medo, sim; medo de que a fita enrolasse, estivesse mofada e não fosse possível assistir ao filme na íntegra.
Kids é um retrato cinematográfico da adolescência que coincide com a descoberta da vida sexual, o desabrochar dos sentimentos, a pulsão, o latejar dos hormônios, o desejo, a vida sem grana, drogas, violência, preconceitos e inconsequências que formatam a consciência e moldam as perspectivas e rotas que se impõem porque algumas coisas são simplesmente impossíveis de mudar. Ao retratar esse cenário conturbado da adolescência nova-iorquina, Clark oferece ao espectador o desenho de uma sociedade que passa por mudanças de valores e morais que ganham corpo nas escolhas de jovens sem perspectiva de futuro. Sobra-lhes, assim, o presente. É isso que vivenciam a cada momento: o presente. Não importam as experiências passadas e isso fica claro quando no início do filme o adolescente Telle convence uma garota de 13 anos, virgem, a transar com ele mediante uma jura de amor eterno que dura apenas o tempo da relação sexual. Numa outra investida de Telle, o discurso se repete e assim o personagem vai sugando o sangue de suas vítimas sem escrúpulo que o faça proteger-se e proteger suas parceiras daquilo que Cazuza mais tarde vai protestar numa canção ao dizer que o seu prazer agora é risco de vida, ou seja, a Aids. Dado o realismo do filme, o espectador chega a se questionar sobre a localização da linha limítrofe entre realidade e ficção. Mas sem perder de vista a recriação da realidade que o diretor faz da vida cotidiana desses jovens a partir de um processo de verossimilhança, o espectador respira, para e pensa sobre o olhar particular do diretor que dá uma versão (a sua versão íntima, introspectiva) desse cenário que compreende o final do séx. XX e início do séc. XXI. Diga-se de passagem, um cenário atravessado de incertezas por todos os lados que afeta, sobretudo, aqueles que são mais vulneráveis às pressões sociais, políticas, históricas e econômicas, qual seja, os jovens. Assim fazendo, Clark, embora faça uma leitura da juventude transviada de Nova York, seu filme acaba traduzindo o estado da Juventude com J maiúsculo porque ganha dimensões mundiais e descreve o jovem em transição num mundo em mudança. É isso.

http://www.youtube.com/watch?v=V0kdx9RZ3KM

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