Uma definição

"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho." (Orson Welles)

sexta-feira, 10 de julho de 2015

O Poderoso Chefão (parte 1)

Copola surpreende em qualquer etapa do seu trabalho cinematográfico. Escreve muito mais com imagens que nos deixam absortos diante da tela que com palavras. A imagem em seus filmes se sobrepõe à palavra por que há limites para a significação do verbo, enquanto que a imagem dança uma ciranda que não conhece margens e, quando esbarra em alguma, a transpõe e continua seu movimento significativo em outro lugar.
O Poderoso Chefão é muito mais que uma luta por interesses que põem em jogo os conceitos de justiça, honra, respeito, poder. É, antes de tudo, uma metáfora das discrepâncias entre quem manda e quem é mandado, da ascensão e da queda tanto no plano físico, como metafísico. Limitá-lo a uma intriga entre famílias (leia-se gângsteres) rivais é esvaziá-lo de outros significados que estão relacionados a um estado primevo do ser humano: a necessidade de dominar os seus pares. Ao que parece, todos os personagens, até aqueles que são tidos como mocinhos/mocinhas obedecem a essa ordem do funcionamento humano que se articula a uma espécie de inconsciente coletivo ou arquétipo compartilhado entre os personagens. Sob o pretexto de salvaguardar a vida, os bens e os elementos espirituais das famílias, os personagens mentem, traem, dissimulam, entram em estados psíquicos alterados, interpretam, jogam, escamoteiam.
No início do filme, a festa de casamento serve de alegoria que aponta para a disseminação do poder na sociedade e como esse poder se articula com outros micropoderes e constrói um cenário no qual todos estão implicados nessa música de consequências trágicas para os ouvidos daqueles que são convidado a ouvi-la. O fim da música significa o fim de uma vida que dá a impressão àquele que dizima seus adversários a enganosa certeza de que um grupo imporá um modo de ser e estar no mundo, mesmo que seja o microcosmo da máfia italiana.
Os conflitos são revestidos de uma áurea de fino trato, eloquência tendenciosa e concessões aparentes que até chegamos a acreditar que a paz é possível e o apagamento das relações de poder obscurecidas; quando não, apagadas. Ledo engano. No jogo de poder instaurado no mundo paralelo do crime organizado, o poder é o único a permanecer vivo, enquanto muitos deslizam e caem na vala daqueles que serão emudecidos e estão privados de contar a história na qual os fracos sucumbem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário